quinta-feira, 26 de abril de 2012

O Polêmico Foie Gras


Paul Bocuse, chef francês, no meu conceito continua sendo "il capo di tutti capi" em matéria de gastronomia. Ele dedica um texto dentro do capítulo “As Aves” de seu livro “A cozinha de Paul Bocuse” especialmente ao Foie Gras... e não é sem razão!
Esse livro foi um dos belos presentes que a Suzy me deu e já tem muitos e muito anos... Na verdade já nem sei quantos! Quisera ter o mesmo bom gosto e idéias que ela tem para os presentes... pobre de mim!
Esse livro é impresso em papel muito chinfrim, como aqueles dos jornais, capa mole, impressões muito simples e não tem absolutamente nenhuma fotografia, além da capa. Porém, é nele que busco a grande maioria dos esclarecimentos que preciso, entre os inúmeros livros da minha biblioteca pessoal de culinária e gastronomia já bem grandinha. Para não cometer injustiças, Gualtiero Marchesi, Antonio Carluccio e alguns outros poucos também são constantemente visitados.

Carluccio, por exemplo, pouco conhecido por aqui, é o grande mestre inspirador daquele menino-elétrico inglês, Jimie Oliver... Gosto dele, tenho os livros dele, faz coisas boas, rápidas, mas um tanto aceleradinho e pouco higiênico para que eu me torne grande admirador dele. Fácil, fácil, prova a comida com o mesmo talher que está cozinhando. Leva à boca sem cerimônia e volta pra dentro da panela, até na TV... e eu não gosto dessa parte! Como para mim os princípios de higiene e respeito ao próximo são muito rígidos, prefiro e me identifico mais com a discreção, tranquilidade e a profundidade do seu professor Antonio Carluccio.

Entre os ensinamentos consolidados na infância, recebidos dos meus "pilares referenciais" de educação está o de que, sempre que possível, devemos falar diretamente com "Deus"... porisso vou direto ao Gualtiero Marchesi, Paul Bocuse, Antonio Carluccio, Nadia Santini... Com esses é possível aprender muito. Os outros são efeitos especiais e pirotécnicos da mídia!


Mas vejamos o que diz Paul Bocuse sobre o foie gras:

“A aquisição de um foie gras exige uma certa experiência ou, pelo menos, um mínimo de informações.
O mercado oferece, sem distinção, fígados de ganso e fígados de pato. Os primeiros são superiores aos segundos, sobretudo para os pratos quentes.
Certos fígados de belo aspecto se tornam cinzentos quando cozidos, outros aparecem cheios de filamentos escuros, e outros ainda se derretem, transformando-se em gordura líquida sob a ação do calor.
É preciso reconhecer esses defeitos no momento da compra, o que não é fácil.
Para isso, aconselhamos a afastar os dois lobos e verificar o interior. Recusar rigorosamente os fígados que não tiverem uma definida coloração rosada, bem como os que tiverem estrias de minúsculas veias escuras. Para julgar a qualidade, tirar com a ponta da faca, no interior de um dos lobos, um pedacinho do tamanho de uma ervilha. Rolar essa massa de leve entre o polegar e o indicador; o calor dos dedos a amolecerá, ou ela permanecerá untuosa e lisa, ou, tornando-se oleosa, ela se desmanchará.
Sempre comprar o fígado de uma coloração bonita e francamente rosada, sem veias e cuja carne, após a prova acima, permaneça lisa e untuosa.”

É claro que na França, onde felizmente ainda vive Paul Bocuse, é possível encontrar o foie gras fresco, fazer as constatações recomendadas e os testes que ele menciona. Por aqui fica bastante mais complicado, pois não é tão disponível e acessível, certamente pelo menor consumo, sem levar em conta o elevado e quase proibitivo preço, custando cerca de R$ 200,00 o quilo do foie gras de pato. O de ganso não tenho nem idéia.

Além de tudo isso, imaginem pensar em comprar um foie gras fresco por aqui! Não que seja impossível, mas acho que só poderia ser por encomenda!... e para ter a certeza das qualidades e características já vistas, só conhecendo bem - e com relativa antecedência - um fornecedor ou produtor.

No jantar que fizemos em Fevereiro passado, como parte do cardápio de um ciclo de workshops culinários que fazemos com um grupo de amigos, a compra do foie gras foi guiada pela recomendação de um dos mais respeitados chefs, o Laurent Suoudeau.
Certa vez participamos de um jantar preparado por ele há uns cinco anos em Campinas, no Restaurante Matisse. Naquela noite Laurent preparou como parte do cardápio, uma belíssima entrada, "Sabayon de Couve Flor ao Foie Gras". Depois de, literalmente suar a camisa na cozinha, visitou todas as mesas espalhando sua costumeira simplicidade, simpatia e atenção. Quando chegou até nós, entre as tantas perguntas que fizemos, falamos do foie gras. Ele contou que seu fornecedor preferencial, a Agrivert, inclusive de magret, era de Valinhos. Disse mais: “É um dos melhores que conheço”.
Que surpresa boa! Um produtor de foie gras e magret em Valinhos! Que coisa mais doida, pensei! E ainda por cima, fornecedor do Laurent Suoudeau e elogiado por ele! Fiquei com aquela informação guardada na contra-capa do livro “O Sabor das Estações” que comprei naquela noite muito especial e veio me servir agora, tantos anos depois, quando escolhemos brincar com essas maravilhosas especiarias e começamos a preparar o cardápio do nosso 4º encontro.

O que eu nem imaginei naquele dia é que esse fornecedor ainda viria me causar uma segunda boa surpresa!

Viajando por Siena no ano passado, fomos visitar a Osteria Le Logge, como sempre fazemos quando estamos passeando por lá. Nessa interessante osteria do falecido Gianni Brunelli, que tive o prazer de conhecer, um produtor de rossos e brunellos de Moltalcino, provamos uma entrada de berinjelas com fatias de magret defumado, funcho e folhinhas de rúcula, sobre uma caminha de molho de carne! Uma delicia!
Não faz muito tempo resolvemos preparar aquela berinjela como parte de um cardápio de um dos workshops. Comecei a procurar um magret defumado aqui pela região... primeiro nos meus amigos Juliatto - Robson e Roberto, depois no Santa Verena, Pão de Açúcar... Nada! O jeito foi improvisar e substituir o ingrediente por um peito de frango defumado. Algum tempo depois acabei encontrando em São Paulo, na Santa Luzia da Alameda Lorena.
Dias depois, localizei o site da Agrivert na internet, me cadastrei e pedi uma lista de produtos com preços, etc. Recebi bem rapidinho e entre uma bela lista de opções estava um magret defumado! Aqui, em Valinhos! Assim aconteceu a segunda boa surpresa!


Pior que não acabou! Ainda estava por vir a terceira surpresa! Até parece as profecias de Fátima!

Dois dias antes desse mais recente workshop, resgatei os dados e liguei para a Agrivert, o produtor de foie gras e magret. Confirmei a ida e o que queria. Num dos pontos mais altos de Valinhos indo pela estrada velha de Itatiba encontra-se a Agrivert. No processo de compra a vendedora anotou todos os meus dados, entre eles o endereço. Depois de ver meu endereço, espontaneamente me disse:
- O senhor deve morar perto do Dr. Alexandre.
- Que Alexandre? Perguntei.
- Nosso patrão! O dono daqui.
- Ele mora em Valinhos? Continuei o papo.
- Mora... e deve ser bem pertinho da casa do senhor porque o nome do condomínio é o mesmo.
- Puxa! Que coincidência!

Ficou nisso.

No final da tarde toca o telefone de casa. Quem era? O Alexandre. Mundo pequeno! Ele mora há duas quadras de casa e não nos conhecemos... Ainda! Sinal dos tempos.
Conversamos bastante, ele me deu muitas informações úteis sobre os produtos, contou um pouco da história da Agrivert e da relação com o Laurent, muitas coisas enfim. Me disse que não precisava ir até lá, que bastava pedir que mandava entregar os produtos em minha casa ou eu pegaria na casa dele num final de tarde. Ainda vamos nos encontrar pessoalmente.
Assim foi a terceira boa surpresa motivada por esse polêmico Foie Gras!

Sei que o tema foie gras tem ligação íntima com o tema CRUELDADE pelo manejo das aves, forma de alimentá-las, etc., mas escolhi não falar desse tema, ainda mais polêmico, nesse texto. Talvez aborde em separado.

Fizemos o workshop e tudo saiu muito bem. O Foie Gras foi acompanhado por peras, ameixas e pêssegos salteadas com calda agridoce e harmonizado com vinho Oporto. Um sucesso na harmonização!
Qualquer hora dessas coloco as receitas completas de todos os pratos no Cozinha Ousada.
Saúde a todos.